Pobre Dona Militana. Morreu sem realizar seu maior sonho: o de ter uma dentadura postiça
Do Jornal de Franklin Jorge, do Novo Jornal
Morreu dona Militana, mulher do povo, analfabeta e tosca, guardiã da memória da raça. Morreu um pedacinho da nossa cultura popular.
Seu grande sonho foi o de substituir os dentes sãos que Deus lhe dera por uma dentadura novinha em folha; prótese, aliás, que lhe custou uma grande angustia e uma inusitada entrevista num vespertino de Natal.
Eu nunca tive paciência para ouvir Dona Militana. Mas gosto de saber que ela existiu e deu de comer a muita gente. Inclusive a alguns sanguessugas que se travestiam de mecenas culturais e beberam o seu sangue cruamente.
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Descoberta pelo pesquisador Deífilo Gurgel, em 1980, sabia decorados mais de 30 romances ibéricos, introduzidos na colônia pelos descobridores portugueses. Um achado precioso que resultaria, anos depois, na gravação de um cd-room produzido pela Fundação Hélio Galvão e o Scriptorium de Candinha Bezerra, que lhe prometeu a dentadura postiça, motivo de um dos episódios mais burlescos da nossa parca histórica cultural...
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A fama, como às vezes se queixava, não lhe trouxe nenhum benefício. E, como sempre, os atravessadores ganharam mais com sua arte do que ela própria, Dona Militana, que teve o sonho singelo de trocar a dentadura natural por uma postiça.
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