sábado, 4 de abril de 2009

O Muro do Rio

Depois de Berlim e da Cisjordânia, é a vez da Cidade Maravilhosa erguer seu próprio muro.  Dúvidas? Levantem a mão!
Alegando proteção às matas dos morros, o Governo do Estado do Rio de Janeiro começou a construir um muro de 11, pasmem, 11 km de extensão, distribuídos entre dez favelas, não por
coincidência, da zona sul - é essa mesma, onde moram os abastados filhos da classe média carioca. 
Colocados os primeiro tijolos para evitar esse crescimento, a polêmica, claro, surgiu. Intriga de cara o investimento do muro: R$ 40 milhões.  Para se ter noção da cifra estratosférica, na epidemia de dengue que assolou o Rio de Janeiro no ano passado, foram investidos 47,6 milhões de reais de recursos federais. Tomara que os 11 mil metros de concreto sejam feitos sem deixar buracos onde a água da chuva possa se acumular. Seria detestável escrever crônicas sobre assuntos repetidos.
Esse novo apartheid social, vamos tratar do assunto nesses termos, soa mais como um discurso de falso moralismo político.  O Instituto Pereira Passos aponta um crescimento de 6,88% das favelas do Rio, de 1999 para 2008.  Agora vamos a um curioso paradoxo: as favelas escolhidas para se tornarem os currais cariocas cresceram, somadas (registre isso: so-ma-das), 1,18% no mesmo período.  Não é intrigante como as coisas funcionam na Cidade Maravilhosa?  Vamos a mais alguns dados e as dúvidas serão totalmente clareadas.
Em 2006, o Forum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro estimou que em preservação e conservação ambiental, controle ambiental e recuperação de áreas degradadas foram gastos R$ 75 milhões de reais.  A construção do Muro do Rio não se enquadra em nenhum tipo de ação mencionada - aliás não se sabe se se enquadra em algum tipo.  Mas o que se sabe (perdão, não é oficial, especula-se) é que a obra está a todo vapor.  Sequer atrasou. Veja que magnífico!  Alguém tem séria pressa que a zona sul fique, digamos, mais trafegável.
Quanto à origem do dinheiro.  Ah, sim! Um assunto interessante.  As verbas devem vir do Fecam, Fundo Estadual de Conservação Ambiental - pausa para uma nota rápida: no governo da mulher do boyzinho, digo, Garotinho, os repasses dos royalties do petróleo para o fundo decresceram de 20% para 5%.  Acredita-se que o entendimento é de que no Rio de Janeiro o meio ambiente também é maravilhoso.  Mas voltando. A verba utilizada na obra também pode vir dos recursos destinados à segurança pública.  Nada mais normal: manter longe do asfalto quem mora nos morros parece significar para o governo um grande avanço em segurança pública.
Em 2010, as favelas da zona norte também ganharão seus próprios muros.  É uma satisfação ver esse progresso.  Depois disso certamente elas ganharão saúde, educação, segurança, enfim, as coisas básicas que podem vir depois do muro, porque esse é a prioridade.  Aí tudo fica mais fácil: o governo traça algumas rotas de turismo social nas favelas e vende o pacote para estrangeiros interessados em ver de perto a guerra civil existente na cidade.  Pronto: o Rio de Janeiro será uma cidade verdadeiramente maravilhosa.

2 comentários:

Carol Natale disse...

Que ridiculo, como sou paulistana não estava sabendo desse muro isso é um absurdo, em vez de resolver o problema pensam que vão proteger os burguesinhos assim, ta mais fácil eles pularem o muro pra subirem o morro , eta hipócrisia!!


http://messnatural.blogspot.com/

Unknown disse...

É verdade tudo o que foi dito com tanta maestria nos mais diversos parenteses. Aliás, você trabalha esses seus comentários no texto muito bem. Ótimas ironias!

E com relação conteúdo do texto: é como já dizia Chico Buarque:Junto a minha rua tinha um bosque que um muro alto proibia...

É meu amigo, muitos muros ainda vão se erguer entre as pessoas para que a população se revolte. Espero que não seja tarde demais...